Da Relação Jurídica de Consumo e seus Fundamentos
- Dione Castro
- 2 de abr. de 2020
- 5 min de leitura

1 – DOS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS
Sabe-se que o direito do consumidor no mundo – mais próximo do que conhecemos - adveio com avente do mercado capitalista, tendo como mentores os países dos Estados Unidos da América, Inglaterra, Alemanha e França. Ainda que haja estudos que indiquem a tentativa de normatizar as “relações comerciais” na época da Babilônia antiga com Código de Hamurabi (2.300 a.C.), na Índia no século XII a.C. com o sagrado Código de Massú, na Mesopotâmia, no Egito antigo, no Império Romano, não eram como conhecemos atualmente seja no Brasil ou no resto do mundo.
No Brasil desde o Império havia uma modesta tentativa de proteção ao “consumidor”. Uso o termo entre aspas, justamente pelo fato de que o conceito de consumidor é muito mais recente. Existem autores que dizem que as preocupações com as relações de consumo surgiram nas décadas de 1940 e 1960, oportunidade que foram criadas algumas leis que regulavam aspectos de consumo. Observa-se que não era nada como vemos hoje.
Deu-se a importância, como de fato devia, com a entrada em vigor da Constituição Federal de 1988. O constituinte não economizou na tutela do consumidor. Os fornecedores anteriores não eram obrigados a especificar quase nada. Havia uma grande dificuldade do consumidor de obter reparações ou troca de produtos. O Código Civil da época não tutelava plenamente em defesa do consumidor. Como por natureza o Direito Civil regula as relações privadas, por inúmeras vezes não protegia exclusivamente o consumidor, justamente pela liberdade contratual entre as partes. Tratava-se da aplicação plena do princípio civilista do “pacta sunt servanda”, que protege e defende os contratos assumidos, sobretudo a respeitabilidade do que foi acordado entre as partes. O comprometimento deste princípio é com a segurança jurídica do negócio, não com a tutela da parte mais fraca da relação negocial entre fornecedor e consumidor. Atualmente, observa-se, que o determinado princípio tem-se tornado em várias circunstâncias relativizado.
Deste modo, o constituinte entendeu a necessidade de fazer constar na Carta Constitucional a proteção da parte mais fraca da relação de consumo, no caso, o consumidor final. A prova está no artigo 5º, inciso XXXII, da Constituição Federal, houve a petrificação da norma constitucional dizendo que o Estado promoveria a defesa do consumidor. Veja que trata-se de um direito fundamental que não pode ser reduzido, somente ampliado, justamente por ser cláusula pétrea. Ainda na Constituição Federal de 1988, dada a importância de se dar direito ao consumidor, enraizou-se no princípio da ordem econômica, no título VII, Da Ordem Econômica e Financeira, no art. 170, inciso V, que tem por fim assegurar a todos a existência da dignidade, conforme os ditames da justiça social a defesa a todos os consumidores. Deste modo, originou-se a Lei nº 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor.
1.1 – Das Características de Suas Normas
Dado a importância do Direito do Consumidor, uma de suas principais características é ser um direito baseado na Ordem Pública. O professor Jacob Dolinger conceitua ordem pública como “[...] a tradução do sentimento de toda uma nação”[i]. O direito dado ao consumidor seria como se fosse o resultado de um anseio social. Tendo em vista, suas dificuldades e exposição nas relações consumeristas frente aos fornecedores que detêm de todo aparato mercantil capitalista, que nos bombardeia com ofertas a cada minuto por todos os lados.
Não menos importante, baseia-se também no Interesse Social que seria um princípio norteador em função da busca pela redução da desigualdade de forças entre o consumidor e o fornecedor. O Estado protege o consumidor, justamente, por ser considerado a parte mais fraca da relação jurídica consumerista. Basta observarmos todos os textos normativos e as normas propriamente existentes que são consideradas quase que princípios por si só. Assim sendo, o art. 1º do Código de Defesa do Consumidor, dispõe:
Art. 1º O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5º, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.
O Código de Defesa do Consumidor trata-se de uma norma jurídica que traz efeitos e consequências. Uma das questões é que mesmo o consumidor desejar afastar um direito na relação de consumo, não seria possível. Justamente pelo fato de ser um direito de ordem pública e de interesse social. Um outro exemplo é que o magistrado diante de uma demanda em que haja descumprimento do Código de Defesa do Consumidor, deverá aplica-lo de ofício ainda que não seja provado pela parte.
2 – DA APLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
Descreveu-se até o momento dos preceitos fundamentais que originou a necessidade da proteção do consumidor no decorrer da história até o momento. Mas, do ponto de vista técnico há uma pergunta: Quando se aplica o Direito de Defesa do Consumidor? Quando haverá a incidência do Código de Defesa do Consumidor?
Pois bem, para identificar a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor é preciso antes analisar a relação jurídica. Não trata-se de qualquer relação jurídica, claro. Deve-se aplicá-lo nas relações jurídicas de consumo de produtos ou serviços. Para configurar uma relação jurídica de consumo deve-se haver de um lado o fornecedor de um produto ou serviço, e de outro lado a figura do consumidor.
2.1 – Do Consumidor
O Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 2º, conceitua que consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza-se de produto ou serviço como o destinatário final. O mesmo texto normativo estabelece que a coletividade de pessoas também são consumidoras, quando haja intervindo nas relações de consumo, ainda que sejam pessoas indetermináveis.
Frente a figura do consumidor equiparado, a doutrina traz um clássico exemplo. O caso do cliente de shopping que teve danos após uma explosão. É mais ou menos assim: Um cliente estava passando próximo a uma loja no shopping quando esta explode a vitrine causando danos estéticos naquela pessoa que passava próximo. Pois bem, o fornecedor alega que não teria a obrigação de reparar o determinado dano, pois o cliente não havia consumido na loja. Todavia, o Código de Defesa do Consumidor, fornece a figura do “consumidor equiparado” que está disposto no art. 17º. Trata-se de todas as vítimas do acidente de consumo. Assim sendo, no exemplo em tela, sim, o fornecedor deve reparar o dano pela equiparação do consumidor.
São também considerados consumidores por equiparação, todas as pessoas que são expostas as práticas comerciais, conforme prevê o art. 29 do Código de Defesa do Consumidor, como segue: “Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas”. As práticas comerciais são: a) Ofertas; b) Publicidade; c) Práticas abusivas; d) Cobrança de Dívidas; e e) Banco de dados e cadastros de consumidores.
2.2 – Do Fornecedor
Já no art. 3º do Código de Defesa do Consumidor nos esclarece juridicamente quem é a figura do fornecedor. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, ainda entes que não possuam personalidade jurídica – assim como os camelos, que desenvolva atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
2.3 – Do Produto e do Serviço
O conceito de produto é muito simples, são todos bens móveis ou imóveis, materiais ou imateriais. Veja que o legislador teve a cautela de ser bem amplo. Já o Serviço seria toda atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira de credito, ou securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
REFERÊNCIAS:
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Disponível em: <www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constituição.htm>. Acesso em: 12 de mar. de 2020.
BRASIL. Presidente da República. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Dispõe Institui o Código Civil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Acesso em: 12 de mar. de 2020.
BRASIL. Presidente da República. Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em: 12 de mar. De 2020.
DOLINGER, Jacob. Direito civil internacional. Rio de Janeiro. Renovar. 1997.
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